Cine Clipper na Freguesia do Ó

por
Benedito Camargo


¬ Esta foto foi tomada diante de uma das portas de saída lateral do Cine Clipper que dava acesso para a Rua Bonifácio Cubas, a antiga rua da feira.


ESTRANHAMENTO DO LUGAR

Numa megalópole como São Paulo é difícil mesmo aos seus habitantes conhecer tudo o que compõe nossa cidade, entretanto para quem vive num bairro no correr do tempo seus moradores vão conhecendo tudo o que os circunda. No vai e vem da vida em meio a toda a agitação até quem mora no bairro ou aqueles que aqui chegam não conseguem acompanhar todas as transformações. Na Freguesia do Ó não é diferente e dados significativos sobre o lugar é desconhecido para a grande maioria dos que aqui residem, trabalham ou frequentam. Exemplo disso está na mudança de nomes de alguns logradouros como do Largo do Clipper que teve esse nome oficializado em 2013 mesmo sendo já conhecido por muitos e, no entanto no oficial se chamava Oliveira Viana. Poucos sabem que tal nome Largo do Clipper vem de uma construção que existiu onde hoje está o Banco do Brasil e que nela funcionava o Cine Clipper que deu o nome ao lugar. Esta sala de cinema foi inaugurada em 24 de novembro de 1950 com um filme protagonizado por Orson Welles, "A rosa negra".
O largo do Clipper com sua praça arborizada num passado não tão longínquo era o lugar de encontro das pessoas e da vida do lugar.



IMAGINÁRIO QUE DEVE SER PRESERVADO

Conta-nos um seguidor que morou junto com sua família no prédio que abrigava o antigo cinema: "Era o ano de 1961, meu irmão Emmanuel Ferreira Leite em casa era conhecido pelo apelido de Nenê. Morávamos no Cine Clipper da Freguesia do Ó. Éramos três irmãos: Nenê com seis anos de idade, Isabel Virginia com dois anos, e eu Luiz, apesar de ser menor do que Nenê em estatura, tinha já meus sete anos. Na foto ao lado estamos, da direita para a esquerda, Nenê, meu pai e eu.

Nosso local de habitação era um pavimento que existia sobre o banheiro masculino cujo acesso era através de um pequenino hall. A porta que levava para onde morávamos dava para o interior da sala de expectadores, ao lado da porta do banheiro dos homens. O acesso para o pavimento sobre o banheiro masculino era feito por uma escada feita de madeira cujos degraus eram muito altos para mim e para meu irmão. Não havia cômodos e os ambientes eram distribuídos conforme o espaço permitia. Nossos pais eram zeladores do cinema. Meu pai, Manoel era também cobrador de ônibus e, durante algum tempo, também se incumbiu da projeção dos filmes.

Aquela época era um sonho para mim. Moramos no cine Clipper entre os anos de 1958 e 1962. Era os tempos áureos do famoso Mazzaropi, do inesquecível Cantinflas, de Roy Rogers, dos famosos filmes de "cowboy" americano, do cão Rin Tin Tin, do Vigilante Rodoviário e muitos outros. Como éramos pequeninos só podíamos assistir filmes nas disputadas matinês de domingo. Às vezes, aos sábados ocorriam alguns shows matinais com artistas populares, oportunidade aonde chegamos a assistir “ao vivo” artistas como o sambista Germano Matias, Moacir Franco se apresentando como mendigo cantando “Ei você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí!”, e ainda um dos nossos primeiros roqueiros: Carlos Gonzaga cantando “Diana”.

Voltando ao início do relato, era o ano de 1961 e, naquela época ocorria um evento que era um show carnavalesco onde se apresentavam algumas dançarinas mulatas em trajes mínimos, conhecidas como cabrochas. Não precisa dizer que a idade mínima para assistir a esses shows era de 21 anos! Eis que um grupo desses foi se apresentar no Cine Clipper! Maior alvoroço, coisa proibida para menores de 21 na cabeça da gente deveria ser algo inimaginável. Chegou a noite da primeira apresentação, minha mãe preocupada com os últimos detalhes de limpeza, meu pai atarantado com os detalhes de acompanhamento de instalação elétrica, som e outras coisas. Após terminarem suas tarefas eles subiram rapidamente para tomarem banho e se trocarem para assistir ao show que já estava começando. Em meio aos preparativos se deram conta que meu irmão Nenê não estava no aposento onde residíamos! Rapidamente desceram a escada e saíram para a plateia para começarem a procurar o filho perdido. E não é que deram de cara com o cara de pau que estava comodamente sentado em meio aos expectadores? Rapidamente retiraram Nenê do local e subiram a escada já dando um pito daqueles no meu irmão! E ele na maior cara de pau: “Ué... eu só estava assistindo!”

Esse fato marcou a vida de nossa família, até mesmo em virtude disso ter acontecido numa época em que o então conhecido Juizado de Menores funcionava com muito rigor e a estória teria sido outra caso um dos comissários tivessem flagrado a escapada do Nenê".

Página elaborada a partir de um email recebido no Domingo, 5 de março de 2017 às 16:55:44 [realname: luiz carlos ferreira leite - mensagem: Fui morador do cine clipper nos anos de 1957 a 1962]

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